Sonhos: Aldeia dos moinhos de água (1990): 1
A água continua a fazer-se ouvir nesta sala de cinema.
Agora mais brandamente. Como um poema japonês.
Mas a reflexão é a mesma: a fractura da aliança,
o elo quebrado que uniu desde sempre
o homem e sua mãe, a natureza.
Tenho dificuldade em arrumar este filme numa categoria ou género.
É fantástico? Certamente que alguns dos Sonhos de Kurosawa o são.
Mas este só poderá ser considarado fantástico num sentido
muito particular: reporta-se a algo já tão raro que,
para um ocidental, é quase um mundo virtual.
E, contudo, nada há nele de fabuloso ou insólito.
Será, pois, um filme utópico? Nostálgico? Apocalíptico?
Se pensarmos na natureza do sonho, no sonho enquanto revelação
do mais íntimo desejo, talvez possamos chamar-lhe,
com propriedade, um filme onírico.
E então é «apocalíptico», porque revela;
«nostálgico», porque para um japonês o passado vai à frente,
anuncia o futuro, guia-nos; «utópico»,
porque é um lugar para onde ainda se pode caminhar
ou (desencatadamente dito)onde se poderia caminhar...